As empresas de telecomunicações conseguiram manter no Supremo Tribunal Federal (STF) o direito de instalarem equipamentos de infraestrutura em espaços públicos sem pagar nada. Por 10 votos a um, a Corte entendeu que a não cobrança, prevista desde 2015 pela Lei Geral das Antenas, é constitucional e pode ser definida por legislação federal. Além disso, a maioria dos ministros avaliou que a isenção é um fator importante para a universalização dos serviços de internet e telefonia no Brasil.
A regra poupou nos últimos anos cerca de R$ 4 bilhões às teles, segundo quem esses recursos são usados para tornar viável a prestação de serviços em cidades menores ou distantes dos grandes centros. As companhias ainda se valeram dos preparativos para a chegada da tecnologia 5G no Brasil para argumentar a favor da não cobrança. As alegações foram reforçadas pelo governo federal, que pediu ao STF que não derrubasse a regra.
O assunto começou a ser julgado nesta quarta-feira, 17, pelo tribunal a partir de uma ação apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), contrária à isenção. Para a instituição, o Congresso Nacional e a União não poderiam liberar esses operadores, principalmente os que atuam em regime privado, de pagar uma compensação financeira pelo uso do espaço público. Além disso, na visão da PGR, Estados e municípios deveriam ter o direito de decidir se cobram ou não pela utilização de terras de sua propriedade.
O Estado de São Paulo apoiou a posição da PGR, assim como a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), já que a isenção também vale para as vias concedidas à iniciativa privada. Quando o “direito de passagem” é pago para as concessionárias de rodovias, esse recurso é revertido, em grande parte, para amortecer as tarifas de pedágio. Com base nisso, essas empresas afirmaram ao STF que a regra fazia “cortesia com chapéu alheio”.
No entanto, a posição que prevaleceu na Corte levou em consideração a competência da União para legislar sobre telecomunicações, a necessidade de uma regra que uniformizasse a situação pelo Brasil, além do incentivo a investimentos provocado pela isenção. “Na realidade, existe uma forte lógica econômica na extensão nacional da gratuidade: evitar que custos pela utilização da faixa de domínio sejam repassados aos consumidores de telecomunicações sem que isso tenha sido idealizado pelo poder concedente deste serviço”, afirmou o relator do caso, ministro Gilmar Mendes. Os colegas Alexandre de Moraes, Nunes Marques, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Luiz Fux seguiram seu voto.
Nunes Marques, por exemplo, afirmou que a cobrança pelo direito de passagem encareceria o processo produtivo e afetaria a competitividade do Brasil no setor de telecomunicações. O ministro também observou a importância do benefício para a chegada da tecnologia 5G, cujo leilão é preparado pelo governo federal e está previsto para acontecer ainda neste ano. Marques afirmou que a tecnologia vai exigir um aumento “exponencial” de novas estruturas, o que reforça a necessidade da isenção.
“A opção pela não onerosidade se deu principalmente para garantir uniformização e segurança jurídica, para que no Brasil todo não houvesse de um Estado para outro obstáculos à implantação nacional do sistema de telecomunicações”, afirmou o ministro Alexandre de Moraes.
Disputa bilionária
Como mostrou o Broadcast, a briga envolve cifras bilionárias. Uma pesquisa da consultoria LCA estima um estoque de pagamentos referentes ao direito de passagem da ordem de R$ 3,9 bilhões, suspensos com base na gratuidade. Quando a cobrança foi exigida, o cálculo é de que, entre 2012 e 2019, os desembolsos feitos à administração pública e concessionárias somaram cerca de R$ 2 bilhões. Mesmo após a edição da lei, alguns contratos em nível estadual, e federal em certos casos, continuaram estipulando a cobrança. Além disso, a regra dispensa a gratuidade para negócios que decorram de licitações anteriores à lei.
Essa pulverização de regras, que ainda permanece, foi inclusive ressaltada por Gilmar Mendes. Com base em informações do Ministério das Comunicações, o ministro citou que, mesmo com a Lei Geral das Antenas, salvo no caso do Espírito Santo, não há legislação em qualquer outro Estado adequando-se à norma editada em 2015. Para o ministro, isso se traduz em insegurança jurídica, que mina o incentivo aos investimentos por meio das companhias de telecomunicações.
Em linha com os argumentos da PGR, o ministro Edson Fachin ficou isolado entre os colegas ao votar para derrubar a regra da gratuidade. Para Fachin, uma lei federal não poderia coibir Estados e municípios de arrecadarem recursos pelo uso de vias públicas. Outro ponto destacado pelo ministro foi o modelo de operação das empresas de telecomunicação, em regime privado. Ou seja, o poder público não tem influência direta sobre o preço cobrado dos usuários ou a política tarifária. Com isso, salientou Fachin, não haveria como garantir que eventual economia das companhias se revertesse em valores mais baixos ao consumidor.
Em nota divulgada após o julgamento, a Conexis Brasil Digital – que reúne empresas de telecomunicações e de conectividade – afirmou que a decisão da Corte “é extremamente importante para a continuidade da expansão da internet e dos serviços de telecomunicações no País”.
“O setor de telecom vê nessa decisão a confirmação de que o acesso à internet é fundamental para o desenvolvimento dos municípios e que sua ampliação deve ser incentivada por legislações modernas e que estimulem o avanço de novas tecnologias, como o 5G e a Internet das Coisas”, disse Marcos Ferrari, presidente executivo da Conexis. “Vale reconhecer o esforço do ministro Fabio Faria, que tem liderado importantes avanços para o setor. O apoio do governo foi fundamental para a vitória de hoje no STF”, completa.