Tabu no jornalismo, suicídio deve ser abordado com cuidado em MS para evitar gatilhos

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Não é de hoje que o suicídio é um tabu na imprensa. Da omissão à espetacularização, os veículos já erraram muito ao tratar sobre o assunto que carrega estigmas até hoje. Dos mais variados temas que passam pelas redações jornalísticas, o suicídio é considerado um dos mais controversos. Para tratar do assunto com responsabilidade, os jornalistas precisam seguir algumas orientações. O cuidado na redação da reportagem pode evitar gatilhos e até ajudar pessoas que precisam de ajuda em Mato Grosso do Sul.

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Capelão atua há três décadas na prevenção ao suicídio. (Foto: Reprodução)

O capelão e professor coordenador do Curso de Prevenção ao Suicídio no HU-UFMS (Hospital Universitário de Mato Grosso do Sul), Edilson dos Reis, trabalha com o assunto há três décadas. De lá para cá, muita coisa mudou com relação à abordagem da imprensa em casos de suicídio. 

“Por anos, a mídia não divulgava qualquer assunto referente ao suicídio por temor que criaria o efeito de contágio, o efeito Werther. Mas, ocorre que a mídia tem um papel fundamental na sociedade ao proporcionar uma ampla gama de informações sobre o assunto”, diz. 

Reis reforça que a mídia deve esclarecer sobre o assunto e cumprir o papel social de prevenção. É o que acontece quando as reportagens trazem informações sobre os sinais de que uma pessoa enfrenta a depressão, as mudanças de comportamento e dados sobre onde procurar ajuda. 

Para o capelão, a imprensa cumpre o papel social ao quebrar o estigma. “O tabu imposto sobre a depressão, ansiedade e suicídio impede a pessoa de falar abertamente sobre suas dores. Leva a pessoa a sofrer calada, sem buscar ajuda. Quando a mídia quebra esse tabu, trazendo especialistas, o sujeito vai se identificar, fazer a escuta e não vai se sentir mais tão abandonado. Ele vai procurar ajuda”. 

Como o tema deve ser abordado 

Apesar de ser importante falar sobre o assunto, o suicídio não pode ser tratado de qualquer maneira. Uma reportagem sem os cuidados pode acabar prejudicando as pessoas que sofrem com a depressão e pode até despertar gatilhos. 

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O jornalista Patrick Alif fez pesquisou a representação dos casos de suicídio na imprensa. (Foto: Arquivo Pessoal)

O jornalista Patrick Alif Fertrin Batista realizou pesquisa de mestrado sobre a representação dos casos de suicídio na imprensa. Ele explica que é imprescindível evitar abordar sobre o método usado para o suicídio. 

Ele comenta que foram registrados casos de tentativas de suicídio na torre do Estádio Morenão em 2014, o que acabou incentivando outras pessoas a fazer o mesmo. “O método foi detalhado, houve uma espetacularização. A pessoa viu que o método dava visibilidade e subiu, aí subiu outra e outra”, relata. 

O pesquisador reforça que outro ponto importante seria evitar o suicídio no formato noticioso e priorizar a reportagem. Ele explica que o tema deve ser tratado de maneira humanizada, com dados confiáveis, especialistas e dados sobre onde procurar ajuda. 

“O suicídio, talvez, seja mais adequado para trabalhar na reportagem. Não que não se deva noticiar, mas na reportagem tem mais espaço para trabalhar fontes, explorar narrativas. Mostrando que números são alarmantes e mostrando formas de saída e redes de apoio para a pessoa que está sofrendo”, diz Patrick Alif. 

O capelão Edilson Reis dá mais orientações sobre o que não fazer ao noticiar o suicídio. Para ele, é preciso evitar fotos da vítima, cartas ou bilhetes que deixou antes de consumar o ato e, acima de tudo, não trazer detalhes sobre o método usado. “Evitar explicações simplistas, evitar glorificar o ato,  ao abordar com sensacionalismo, não atribuir culpa a ele ou a ninguém e não trazer depoimentos da família. ‘Ah, por que aconteceu isso?’, não é papel da imprensa. O papel da mídia é esclarecer e pontuar que a pessoa estava em sofrimento e alertar que é preciso buscar ajuda. O sofrimento não compartilhado dói mais”.

Como especialistas avaliam a imprensa sul-mato-grossense

Após 30 anos de trabalho sobre a prevenção ao suicídio, Edilson Reis explica que o comportamento da imprensa sul-mato-grossense mudou muito e para melhor. “E posso afirmar, sem medo de errar, que é uma das poucas que atua com seriedade, ética e tem uma conduta louvável ao transmitir a informação. Muitas vezes sou acionado para explicar sobre o assunto, não existe tanto esse tabu”.

O jornalista Patrick, que começou a estudar o assunto em 2015, aponta que a imprensa do Estado tem evoluído ao tratar sobre o tema. Contudo, ainda há espaço para melhora.  “Ainda existem problemas, dificuldades de tratar sobre o conteúdo. Atribuo isso à falta de orientação dos jornalistas na própria formação, é pouco tratado na universidade”. Ele pontua que toda mudança demanda tempo e que a imprensa local tem melhorado gradualmente. 

Em resumo, o que pode e o que não pode? 

Conforme o manual de prevenção ao suicídio da OMS (Organização Mundial de Saúde), estes são alguns cuidados ao noticiar o assunto: 

  • Trabalhar em conjunto com autoridades de saúde na apresentação dos fatos.
  • Referir-se ao suicídio como suicídio “consumado”, não como suicídio “bem sucedido”.
  • Apresentar somente dados relevantes, em páginas internas de veículos impressos.
  • Destacar as alternativas ao suicídio.
  • Fornecer informações sobre números de telefones e endereços de grupos de apoio e
  • serviços onde se possa obter ajuda.
  • Mostrar indicadores de risco e sinais de alerta sobre comportamento suicida.

O que não fazer: 

  • Não publicar fotografias do falecido ou cartas suicidas.
  • Não informar detalhes específicos do método utilizado.
  • Não fornecer explicações simplistas.
  • Não glorificar o suicídio ou fazer sensacionalismo sobre o caso.
  • Não usar estereótipos religiosos ou culturais.
  • Não atribuir culpas.

Procure ajuda

Em Mato Grosso do Sul, o Grupo Amor Vida (GAV) é um dos que prestam serviço gratuito de apoio emocional a pessoas em crise através dos telefones (67) 3383-4112, (67) 99266-6560 (Claro) e (67) 99973-8682 (Vivo), todos sem identificador de chamadas. O horário de funcionamento, segundo o site do GAV, é das 7h às 23h, inclusive sábados, domingos e feriados. 

Outra opção é o CVV (Centro de Valorização da Vida), no número 188. O apoio emocional fica disponível 24 horas todos os dias de forma gratuita. “Aqui, como em qualquer outra forma de contato com o CVV, você é atendido por um voluntário, com respeito, anonimato, que guardará estrito sigilo sobre tudo que for dito e de forma gratuita”.

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