Alvin é o único tamanduá-bandeira albino vivo no mundo, segundo especialistas. Descoberto em agosto, em uma fazenda particular em Três Lagoas (MS), o animal tem o futuro incerto, o que desperta curiosidade até nos mais familiarizados com a espécie. Além disso, a atenção despertada por Alvin pode abrir os olhos da sociedade para um drama vivido pelos tamanduás.
Ao g1, o presidente e fundador do Instituto de Conservação de Animais Silvestres (Icas), Arnaud Desbiez, ressaltou a importância que a visibilidade trazida por Alvin pode ter para os tamanduás-bandeiras.
“Todo mundo está fascinado por ele, mas, por favor, voltem os olhos para os tamanduás ‘normais’, porque eles são extraordinários. É um animal único da nossa fauna e é um animal que existe só nas Américas”, comenta.
Morte nas estradas
De acordo com o Icas, em Mato Grosso do Sul, a cada 100 km de rodovias, morrem 44 tamanduás anualmente.
Em junho deste ano, um filhote de tamanduá-bandeira foi resgatado pela Polícia Militar Ambiental (PMA) agarrado ao dorso da mãe morta atropelada na BR-262, a 21 km de Miranda (MS).
“É um número assustador. O tamanduá-bandeira pesa entre 30 a 40 kg, então cada colisão é uma ameaça aos usuários, é uma ameaça para as pessoas”, comenta o presidente.
O chefe de comunicação da Polícia Militar Ambiental, tenente-coronel Ednilson Queiroz comenta que um dos fatores para que o tamanduá-bandeira esteja na lista de animais em extinção são os atropelamentos.
Queiroz orienta o que deve ser feito em caso de atropelamentos de animais silvestres em rodovias. “Muita gente não socorre esses animais em virtude de achar que cometeu um crime. Não existe essa situação de um crime culposo. A PMA tem orientado muito a população a respeito disso”, afirma.
Segundo o tenente-coronel, primeiramente o condutor deve parar em local seguro e verificar se o animal está vivo. “Se não conseguir socorrê-lo, retire o animal da pista de rolamento, contate o órgão público da cidade mais próxima para que seja feito o socorro”, informa.
Caso o animal esteja morto, a recomendação é retirá-lo da pista de rolamento. “Para evitar um novo acidente. Então, essa redução [das mortes de tamanduás] depende do ser humano, depende do motorista, depende dos planejadores para que cada vez mais esse animal continue vivendo em harmonia com a população”, completa Queiroz.
O chefe de comunicação explica que os condutores podem ligar para o número da PMA em Campo Grande (67) 9 9984-5013, que dependendo da localização no estado serão redirecionados para a subunidade mais próxima.
Desafios do albinismo enfrentados por Alvin
Alvin tem oito meses e foi descoberto em agosto. Desde então, ele é monitorado por meio de um colete por pesquisadores. O Icas esclarece que o colete é adaptado ao formato do corpo do animal.
“Para garantir o bem estar dos animais equipados com esses colares ou ‘mochilas’ de rastreamento, nossa equipe os monitora de perto e constantemente há quase 10 anos. Nossa prioridade é sempre a saúde e bem-estar dos animais”, explica.
O presidente e fundador do Icas, Arnaud Desbiez, comenta que os tamanduás em geral são sensíveis a altas temperaturas. “A temperatura corporal deles é mais baixa. Por isso, quando faz muito calor, eles param de ser ativos e vão se refugiar na mata, na vegetação, que atua como proteção contra variações térmicas muito fortes”, detalha.
O mesmo ocorre quando as temperaturas caem bruscamente. “Essa proteção que a vegetação nativa oferece é fundamental para os tamanduás”, reforça. Para Alvin, isso é ainda mais essencial, visto que qualquer animal albino é muito sensível à luz.
A pelagem de coloração neutra, que mescla o cinza, com marrom e nuances de preto e branco garantem ao tamanduá-bandeira a possibilidade de se camuflar na natureza, principalmente nos períodos noturnos. Porém, Alvin não possui esta capacidade.
“Ele não vai ter essa ferramenta tão importante para a sobrevivência que os outros tamanduás têm. Ele é muito visível. Isso significa que ele é muito visível a predadores também”, comenta Desbiez.
Alvin deve permanecer com a mãe por mais dois meses, aproximadamente, pois a fêmea costuma cuidar do filhote por até 10 meses. A partir daí, o único tamanduá albino do mundo terá que viver sozinho no Cerrado de Mato Grosso do Sul.
O futuro desperta curiosidade nos pesquisadores. “O que a gente quer ver agora é, quando ele ficar mais independente, como ele vai escolher o habitat, se ele vai escolher se proteger mais da luz, como vai ser a movimentação dele, essas são as perguntas que a gente tem com ele”, frisa o presidente do Icas.
Único, mas não o primeiro
Apesar de ser o único tamanduá-bandeira albino vivo registrado atualmente, Alvin não é o primeiro, como explica Arnaud Desbiez. Em 2021, a PMA acionou o Icas sobre um tamanduá-albino na mesma região onde Alvin foi encontrado. “ Infelizmente, ano passado, quando a nossa equipe foi pela primeira vez, o animal já tinha morrido”, lamenta.
“A gente encontrou o animal morto com os ossos espalhados, a gente não consegue afirmar a causa da morte”, completa o pesquisador.
Ainda não há confirmações, mas pesquisas futuras poderão indicar se Alvin é irmão do primeiro tamanduá-bandeira albino encontrado em 2021. “Apesar dos tamanduás não serem monogâmicos e a fêmea poder se reproduzir com qualquer macho na área, a gente acredita que, como são genes recessivos [o que causa o albinismo], esse segundo albino foi do mesmo pai e da mesma mãe”, explica ao g1.
Desbiez conta que os pesquisadores colheram amostras genéticas do primeiro tamanduá albino encontrado em Três Lagoas e devem comparar com as informações genéticas de Alvin. “A gente vai conseguir saber se é a mesma mãe e o mesmo pai”, conclui.
Único ser, várias conservações
Para além da preservação da própria vida e da própria espécie, o presidente e fundador do Instituto de Conservação de Animais Silvestres (Icas), Arnaud Desbiez comenta que Alvin também pode trazer visibilidade para a conservação do Cerrado.
Apesar da capacidade de adaptação, os tamanduás precisam de uma área minimamente preservada para viver. “O tamanduá consegue se adaptar a ambientes um pouquinho alterados. A dificuldade para ele é quando se retira toda a vegetação nativa. Ali a vida dele complica muito. Então, apesar do tamanduá bandeira conseguir sobreviver com algum grau de alteração, ele precisa de um mosaico com vegetação nativa”, explica o especialista.
Segundo com o MapBiomas, plataforma que monitora o uso do solo no Brasil, 45,88% do Cerrado foi substituído por áreas de pastagem (30,48%) e de agricultura (15,40%).
“O agronegócio é uma necessidade. O problema é quando têm grande escala. O problema é quando a gente derruba toda a mata e não deixa um mosaico ainda”, aponta Desbiez.
Com o avanço do desmatamento no Cerrado, ocorre a alteração do habitat dos tamanduás e das demais espécies que ali vivem. “Com certeza vai prejudicar a diversidade e vai prejudicar o homem, a nossa sobrevivência. É por isso que nós precisamos trabalhar com os pecuaristas, com o agronegócio, achar soluções para ter ganhos e não embates”, opina o pesquisador.
Para Desbiez, a existência de Alvin pode ser a porta de entrada para um caminho de debates sobre a preservação de diversas espécies, incluindo a humana.
“O problema é muito maior que um tamanduá albino, mas se ele consegue simbolizar e demonstrar para a população a importância disso para o homem, porque nós estamos falando da sobrevivência dos tamanduás, [e também] estamos falando da sobrevivência da nossa própria espécie”, finaliza.